
Em pleno século XXI, passados mais de 30 anos da promulgação da nossa Constituição Federal, a qual prevê o preconceito racial como crime, ainda nos deparamos com cenas de racismo, como essa conversa de whatsapp, datada de 2017, que mencionava "achei esse escravo no fumódromo! Quem for o dono avisa!".
O caso aconteceu em setembro de 2017, quando os jovens estudavam na Faculdade Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. Na época, o estudante Gustavo Metropolo fotografou o colega João Gilberto Pereira Lima e enviou para um grupo de alunos no aplicativo WhatsApp.
João, o jovem apontado como "escravo", tomou conhecimento do texto por meio da instituição FGV, em março de 2018. Após apuração interna, a FGV suspendeu Metropolo por três meses; no retorno às aulas, ele foi alvo de protestos. O boletim de ocorrência por injúria racial foi registrado no 4º Distrito Policial da Consolação.
Por compartilhar foto de um colega negro em um grupo de WhatsApp se referindo a ele como “escravo”, Gustavo Metropolo, foi condenado, no Processo nº 0027264-12.2018.8.26.0050, pelos crimes de racismo e injúria racial pela 14ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, em São Paulo. A decisão é da sexta-feira passada (19/3/2021). Ao todo, a pena fixada foi de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto.
A pena privativa de liberdade, dantes fixada, foi substituída por prestação de serviços à comunidade, a entidade a ser definida pelo juízo da Execução, e por uma pena de prestação pecuniária, consistente no pagamento de cinco salários mínimos em favor da vítima.
Quando da apuração administrativa pela FGV, ao ser questionado, Metropolo afirmou “fui eu” e acrescentou: “foi uma brincadeira que eu fiz". Acresceu ainda: “que eu, uma pessoa com a educação que tive, não poderia ter feito isso, não tenho o que dizer em minha defesa e peço desculpas ao senhores que são professores ocupados, por estarem gastando seu tempo para estar escutando uma pessoa como eu”.
No entanto, durante depoimento judicial, Metropolo afirmou que não era autor da mensagem e tivera seu celular roubado antes do episódio. Além disso, segundo ele, ele teria se sentido pressionado pela instituição FGV a admitir algo que não havia feito.
Para a juíza, Dra. Paloma Moreira de Assis Carvalho, da 14ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, em São Paulo, “não convence a versão do réu de que não foi o responsável pela fotografia, postagem e mensagem. Restou comprovado que, por diversas vezes, o réu admitiu aos professores e coordenadores da Faculdade ter sido o autor dos fatos, chegando a dizer que havia feito uma “monstruosidade” e que eles estariam “perdendo tempo” com uma pessoa como ele. Afirmou que não era isso que aprendera com a sua família, mostrando-se arrependido da conduta”.
Para embasar sua decisão, a magistrada afirmou ainda que atitudes discriminatórias como a exposta na mensagem não são resguardadas pela garantia constitucional de liberdade de expressão. Ela também justificou a condenação tanto por injúria racial, contida no artigo 140 do Código Penal, quanto por racismo, presente na Lei nº 7.716/89. O entendimento foi de que Metropolo não apenas usou linguagem ofensiva e depreciativa por questão racial, mas a conduta dele feriu a coletividade de pessoas negras. Os dois crimes são diferenciados pela perspectiva de que a injúria é dirigida a um indivíduo, enquanto o racismo atinge um determinado grupo marginalizado de forma ampla.
“No contexto em que fora publicada [a mensagem de whatsapp], dentro de uma instituição renomada e voltada à classes abastadas da sociedade [FGV], observa-se a intenção de segregar um aluno preto, que não ‘poderia pertencer’ àquele mundo. Além disso, ao dizer que encontrou um ‘escravo’, o acusado objetifica a vítima, dando a entender que ela só poderia estar naquele local acompanhada de seu ‘dono’. Nesse contexto, com a postagem, o autor diminuiu e ofendeu toda a coletividade de pessoas pretas, principalmente, as que frequentavam a faculdade à época dos fatos”, escreveu a juíza na sentença.
A julgadora também salientou que “ao ver a vítima, abraçadas com duas mulheres brancas, o réu realizou a postagem depreciativa, atribuindo-lhe inferioridade exclusivamente em razão de sua cor/raça para tanto, utilizando-se do vergonhoso e dolorido histórico da escravidão. Conforme relatado pelas testemunhas, a vítima ficou surpresa quando viu a postagem, precisando de tempo para entender o ocorrido. Não por outro motivo, precisou de acompanhamento psicológico para lidar com a situação. Ademais, o réu afirmou conhecer a vítima, que era uma pessoa muito ativa na faculdade, o que demonstra a sua compreensão sobre a ofensa e a quem a dirigia”.
Na sentença consta que interpretar a mensagem como uma “brincadeira” ou outro eufemismo seria “compactuar com ideais preconceituosos, ultrapassados e sem fundamento, que se configuram como uma tentativa fracassada e vergonhosa de justificar a sobreposição de indivíduos brancos”.
Da sentença, ainda cabe recurso. Leia íntegra da sentença, anexada abaixo.
Esperamos que condutas como esta não sejam permitidas em nossa sociedade, sob pena de nos tornarmos pessoas desumanizadas e totalitaristas. Tolerar comportamentos desta estirpe seria validar a discriminação contra uma minoria, e anuir que continuem com a conduta de que a cada 4 jovens que morrem hoje, 3 são negros. Essa luta não é apenas contra o racismo, visa-se garantir a dignidade humana dos indígenas, da comunidade LGBTQIA+, das mulheres e das minorias, que sofrem todos dias violências no campo físico, moral, psíquico, social, cultural e até mesmo para garantirem suas vidas.
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