
Foi sancionada a lei que tipifica o crime de perseguição, prática também conhecida como stalking (Lei n° 14.132, de 2021). A norma altera o Código Penal e prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa para esse tipo de conduta.
Essa criminalização veio de um movimento que nasceu nos Estados Unidos e se estendeu para a Europa, numa verdadeira onda punitiva ligada aos fatores de expansão do Direito Penal na Pós Modernidade, exibindo um resultado, segundo Alexandre Morais da Rosa (in: Stalking e a Criminalização do Cotidiano. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 15, n. 60, p. 72-79, Outubro, 2012), de "transformação de condutas cotidianas em crime".
Stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos. (in: Stalking. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acesso em: 1 abr. 2021).
O avanço das tecnologias e o uso em massa das redes sociais trouxeram novas formas de crimes, se fazendo premente o aperfeiçoamento do Código Penal, a fim de proporcionar maior segurança às vítimas de um crime que, muitas vezes, começa on-line e migra para perseguição física.
O stalking é um mal que deve ser combatido antes que a perseguição se transforme em uma violação à segurança das pessoas e ao bem estar social.
Anteriormente, a prática era enquadrada apenas como contravenção penal (crime de pequeno porte), que previa o crime de perturbação da tranquilidade alheia, punível com prisão de 15 dias a 2 meses e multa. Agora, com a nova lei, o crime de perseguição teve a pena aumentada em 50% quando for praticado contra criança, adolescente, idoso ou contra mulher por razões de gênero. O acréscimo na punição também é previsto no caso do uso de armas ou da participação de duas ou mais pessoas.
Em virtude da alteração da nova lei, que passou a enquadrar o ato de stalkear como crime de perseguição, foi revogado o art. 65 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688, de 1941), que previa o crime de perturbação da tranquilidade alheia com prisão de meros 15 dias a 2 meses e multa.
A Lei nº 14.132/2021 entrou em vigor na data de sua publicação (01/04/2021). Portanto, a punição do art. 147-A do CP não se aplica para fatos ocorridos antes de 01/04/2021. Vale ressaltar, contudo, que, se o agente iniciou os atos de perseguição antes da Lei nº 14.132/2021 e continua a praticá-los depois do novo diploma, responderá pelo crime do art. 147-A do CP.
Embora aparente inovadora, a discussão que contorna o tema é relativamente antiga no país, mas não muito explorada, tanto que o jurista Damásio de Jesus, como citei passos atrás, já mencionava, há 13 anos, esse tipo penal.
Em uma análise rápida da lei, detecta-se que o próprio tipo penal ampliou tanto o alcance da denominação legal “stalking”, ao ponto que, somente se entende que a perseguição referida pelo legislador se trata de uma conduta repetitiva e reiterada, o que pode gerar um problema em casos de perseguições pontuais, que, embora não sejam corriqueiras, podem causar violação à intimidade e à vida privada da vítima. Essa ampliação exacerbada da escolha semântica, embora atenta, poderá resultar em inúmeros enganos no momento de identificação do delito.
Com o transcorrer do tempo saberemos se a norma conseguirá assegurar às vítimas, diante da problemática percebida face à moldura penal abstrata.
Dentre ganhos e perdas, é importante dizer que a recente tipificação acaba por corrigir uma dificuldade anterior de enquadrar formalmente a conduta prevista no artigo, que ora caminhava entre o crime de ameaça - do art. 147, do Código Penal -, ora alcançava a contravenção penal de perturbação de tranquilidade (do art. 65, do decreto-lei 3.688/41), esta última, que acabou por ser revogada pela Lei nº 14.132/21.
No entanto, vê-se que a criminalização do stalking - hoje recepcionado como "perseguição" – trata-se de uma técnica, aparentemente simplista demais, soando como o signo do descaso com que a questão vem sendo tratada em nosso país.
Resta ficarmos atentos, assim, às próximas discussões jurisprudenciais sobre o tema.
Leia a íntegra da lei, anexada a seguir.